O tema do valor do transporte público é sempre sensível nas cidades
brasileiras. A cada aumento de tarifa, vozes se levantam para cobrar um
subsídio maior para o uso de ônibus e trens. A resposta das prefeituras e
governos estaduais é sempre a mesma: alguém tem de pagar pelo sistema,
cujos custos sempre aumentam. Mas essa discussão chegou em outro nível
em várias cidades nos Estados Unidos e Europa. Nelas, os moradores não
pagam para usar o transporte coletivo. Entre elas estão Châteauroux,
Vitré e Compiègne, na França; Hasselt, na Bélgica; Lubben, na Alemanha e
Island County, Chapel Hill, Vail e Commerce, nos Estados Unidos, entre
outras. A próxima a adotar a ideia será Tallinn, a capital da Estônia,
no final deste ano.
A ideia de gratuidade no transporte vai contra tudo o que nos
disseram sobre o assunto aqui no Brasil, a saber: sem pagamento, o
sistema ficaria sem recursos, e em algum momento se tornaria inviável.
Mas existem teóricos e administradores públicos que defendem que é
economicamente viável – ou até preferível – que as pessoas não paguem
por ele.
As vantagens de não se cobrar pelo uso de trens e ônibus são várias:
promoção de uma certa justiça social, já que o peso do pagamento de
transporte público é grande para a população mais pobre, que é a que
mais precisa dele; redução da emissão de poluentes; menos poluição
sonora; redução do uso de combustíveis fósseis; diminuição dos gastos em
obras viárias, já que o carro seria menos necessário; aumento do uso do
espaço público, pois as pessoas precisariam andar mais nas ruas para
usar o transporte; eliminação dos gastos com o sistema de cobrança,
entre outras.
Em Châteauroux, cidade de 49 mil habitantes, a média de uso do ônibus
era de 21 viagens por ano, contra uma média de 38 em outras cidades
pequenas da França. Depois da implementação da gratuidade, esse número
saltou para 61 viagens por ano. Em Hasselt, o uso do transporte público
subiu mais de 1000% desde que passou a ser gratuito.
O aumento no número de usuários é um dos indicadores para o sucesso
do sistema, pois significa que as pessoas trocaram de meio de
transporte: se deixaram o carro, contribuíram para a diminuição do
trânsito, e se de outra forma teriam ido a pé ou de bicicleta, ajudaram a
reduzir os riscos de acidentes como atropelamentos, diminuindo ainda
mais o gasto com os carros (nesse caso, os custos de acidentes desse
tipo entram na conta do transporte individual motorizado).
Os teóricos do transporte gratuito dizem ainda que, a cada aumento de
tarifa, existe uma diminuição no número de usuários, que passam a não
poder pagar ou encontram uma alternativa economicamente mais viável para
se locomover. Isso diminuiu ou até anula o aumento da arrecadação
esperado com o aumento da tarifa, fazendo com que o sistema fique cada
vez menos viável, já que menos pessoas têm de pagar mais para as mesmas
viagens.
Outro motivo econômico importante para a abolição das tarifas é que o
sistema de cobrança custa muito dinheiro. Um estudo patrocinado pela
Administração Federal de Transportes dos Estados Unidos mostrou que os
gastos com o sistema de cobrança pode chegar a 20% de toda a renda com o
pagamento de tarifas. Isso inclui gastos com máquinas de vendas,
pessoal, contagem do dinheiro coletado e custos afins.
Mas quem paga por isso, afinal?
Embora os sistemas de financiamento variem um pouco de cidade para
cidade, o princípio é sempre o mesmo. O transporte público é bancado por
impostos. Em Hasselt, na Bélgica, 1% dos impostos municipais vai para o
sistema de ônibus. No condado de Island, Washington, 6% do dinheiro
arrecadado com o imposto sobre vendas vai para o transporte público. Em
Châteauroux, os recursos vêm dos impostos sobre os salários, pagos pelos
empregadores. As possibilidades são variadas.
Financiar o sistema de transporte com impostos pode parecer uma
ideia, digamos assim, muito comunista. Mas por que faz mais sentido
pagar desse modo por saúde, educação e, pior, construção de ruas e
avenidas para os carros? Por uma questão de justiça social, o transporte
público também poderia ser incluído no rol de serviços custeados por
impostos. Afinal, quem não anda de transporte público, especialmente no
Brasil e nos Estados Unidos, acaba escolhendo carro ou moto para se
locomover, aumentando custos de obras, da saúde, da limpeza pública,
entre outros, além de contribuir para a emissão de poluentes. Há aqueles
que não têm outra alternativa senão andar, e esses seriam os maiores
beneficiados.
O segredo para o sucesso da gratuidade nas cidades citadas – e até
agora todas elas se consideram casos de sucesso – é o planejamento
anterior. Algumas delas fizeram investimentos maciços no transporte
público antes de abolir as tarifas, para tornar o sistema atraente para
um maior número de pessoas.
A grande questão que fica é se isso seria aplicável no Brasil. Isso
depende de estudos aprofundados, que só podem ser feitos individualmente
em cada cidade. Nas metrópoles, por exemplo, os sistemas de transportes
já são tão lotados que qualquer ideia nesse sentido teria de ser
precedida por um aumento massivo na oferta de ônibus e transporte sobre
trilhos. É mais provável, no entanto, que seja um conceito inaplicável
em grandes cidades, restando a ideia de maior subsídio ao sistema. Em
cidade menores, talvez esse conceito seja mais facilmente aplicável.
Mas, ao analisar que as tarifas estão chegando ao patamar dos R$ 3 para
cada viagem (ou conjunto de viagens, no caso de São Paulo), é bom saber
que existem exemplos que desafiam a lógica que impera por aqui. Resta
saber qual seria a popularidade dessas ideias entre administradores
públicos, empresários do setor de transporte e contribuintes que acham
que não seriam beneficiados com a medida.
Fonte: Rede Brasil Atual.
0 comentários:
Postar um comentário