segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

2013 – ano de lutas no transporte em Joinville



                                                 
Por Hernandez Vivan, professor e militante da Frente de Luta pelo Transporte Público

A luta em torno do transporte coletivo no ano de 2013 em Joinville é especialmente decisiva. Isso porque em janeiro de 2014 se encerram a concessão das atuais empresas (Gidion e Transtusa, ligadas às famílias Bogo e Harger, respectivamente), que atuam há mais de 45 anos sem licitação, de maneira que deve ser realizado processo licitatório nesse ano, o qual definirá os próximos quinze anos do transporte em Joinville.

Um dos centros da disputa política dos movimentos sociais, organizações políticas, partidos e independentes organizados em torno da Frente de Luta pelo Transporte Público consiste em debater os termos pelos quais a licitação será orientada.

Alguns elementos da conjuntura política

Em 2009 foi eleito Carlito Merss do PT. Após quatro tentativas frustradas finalmente alguém remotamente ligado às classes populares ocuparia o executivo municipal. O próprio Carlito notadamente tem sua carreira política relacionada à luta por transporte coletivo, na medida em que em 1995 entrou com processo contrário à renovação – absolutamente ilegal – da concessão das empresas Gidion e Transtusa[1]. Em que pese, no melhor estilo petista, o tom ter sido moderado durante toda campanha e as propostas de mobilidade urbana estarem pautadas por notória modéstia, havia aparente diferença com os demais governantes, cujo vínculo era mais orgânico com as classes dominantes. Ilusão, no entanto, rapidamente desfeita[2].

O fato é que Carlito foi responsável por quatro aumentos de tarifa de ônibus, correspondentes a todos os anos de seu mandato. No primeiro ano de seu mandato, em maio de 2009, encontrou forte oposição dos movimentos organizados[3]. Porém, como antigo subalterno que era, conhecedor da lógica dos movimentos sociais, instituiu o que antes era esporádico, e fixou a database dos trabalhadores do transporte em janeiro, de maneira que o pretexto para o aumento de tarifa – o reajuste salarial – teria de ser fixado em data próxima. Depois do erro inicial de aumentar a tarifa em maio, pois encontrou uma cidade mais viva, movimentada, fora do período de férias escolares, seus outros aumentos foram em 29 de dezembro de 2010, 27 de dezembro de 2011 e 28 de dezembro de 2012. Com isso aplicou um golpe poderoso nos movimentos organizados.

Como se não bastasse ter aperfeiçoado a engenharia social no sentido da contenção das manifestações, um de seus últimos atos como prefeito, senão o último, foi reconhecer que a prefeitura municipal tem uma dívida com as empresas Gidion e Transtusa no valor de 125 milhões de reais[4]. Essa dívida, exatamente como ocorreu em Curitiba[5], pode ser incorporada à licitação auferindo vantagem às atuais empresas alucinadamente consideradas como “endividadas”. Em outras palavras, Carlito, em seu último e simbólico ato, em posição genuflexa, garantiu mais quinze anos de exploração à Gidion e Transtusa.

Em golpe de marketing orquestrado, o prefeito seguinte, Udo Döhler, do PMDB, dono da empresa têxtil Döhler, “revogou” o último aumento de Carlito Merss em dez centavos. Para entender: de R$2,75 Carlito aumentou a tarifa para R$3,00 e como um dos primeiros atos de governo Döhler abaixou-a para R$2,90. Na prática, em que pese menor, ainda um aumento de tarifa, a tal ponto que o aumento promulgado por Merss, que teria validade a partir de 5 de janeiro, sequer foi efetivado, agora em favor do aumento para R2,90 em 7 de janeiro. 

Carlito iniciou o processo licitatório do transporte, todavia sem dar continuidade. Foram realizadas duas audiências públicas para debater a questão. Muito embora a presença marcante dos movimentos sociais e o tom geral reprovativo acerca da qualidade do serviço e da tarifa, nenhuma sugestão dos movimentos e populares foi incorporada ao plano de licitação[6]. Essa primeira versão – e até agora única – consiste fundamentalmente na legitimação do atual modelo de transporte, que até agora é ilegal. O verniz legal é dado ao presente modelo e ainda aprofundado: o plano de licitação prevê que haverá aumento de tarifa obrigatoriamente anual, que a capacidade de ônibus que vigora hoje é suficiente (uma piada de mau-gosto refutada pela experiência diária de milhares de joinvilenses ao serem enlatados), não prevê nenhum controle popular. Em resumo, um retrocesso, porque embora seja muito similar ao atual modelo, ratifica-o e o legaliza[7].

Movimentos sociais

De modo contínuo desde 2003 os movimentos sociais aparecem na cena política da cidade reivindicando tarifas mais módicas. Essa reivindicação inicial foi progressivamente modificada e ampliada. A reivindicação dos anos de 2003, por exemplo, Passe Livre Estudantil, embora permaneça na agenda política de alguns grupos, cedeu lugar para o problema global do transporte, a saber, a necessidade de uma empresa pública e da efetivação do direito à cidade como um todo e para todos. Desde 2010 as várias “Frentes de Luta contra o aumento da tarifa”, eventuais, limitadas e efêmeras foram substituídas pela Frente de Luta pelo Transporte Público, que mantém grande constância desde sua fundação e significa um passo importante na organicidade dos movimentos em torno do transporte na cidade.  

Essa nova compreensão se materializou em um programa político de treze pontos[8]. O amadurecimento dos movimentos sociais – que em linhas gerais acompanhou as mudanças no interior do Movimento Passe Livre Nacional, o alargamento da concepção de mobilidade urbana –  foi explicitado publicamente na primeira audiência pública da licitação. A concepção da Frente abarca desde o financiamento do transporte, passando pela operação até a gestão[9].

Esse movimento de elaboração é importante porque além de refletir o amadurecimento das concepções da Frente, ele é urgente em razão da proximidade da licitação. Se a crítica é legítima por si mesma, é notório que é insuficiente para a articulação de uma contra-hegemonia, de um projeto alternativo que aponte algum caminho e que seja capaz de mobilizar largos setores sociais. A constituição desse projeto mesmo é um passo necessário, embora ainda incompleto. Por essa razão a Frente aposta em massificar a luta por meio de trabalhos de base em escolas, sindicatos e nos bairros.

Hoje


Em razão do último aumento de tarifa, que passou a valer a partir do dia 7 de janeiro, a Frente de Luta pelo Transporte Público convocou manifestação para o dia 8. O objetivo da Frente é ligar a luta contra o não-aumento com a luta pelos termos da licitação. Na manifestação compareceram 150 pessoas que fizeram ouvir sua reivindicação por um transporte fora da lógica do lucro[10]. Essa é apenas a primeira manifestação do ano, de muitas que necessariamente virão.

O atual momento das lutas em torno do transporte em Joinville é, dessa maneira, decisivo. Decidirá como funcionará o transporte pelos próximos quinze anos. A organização dos explorados determinará o modo pelo qual o transporte será estruturado: se privado, se público, se um modelo misto ou o que for; se a gestão caberá à burocracia, a empresários privados, a conselhos populares vinculados ao Estado ou a outros tipos de organização; se o financiamento será por meio de impostos progressivos ou tarifado sobre os mais pobres. O fato é que 2013 será um ano de lutas. Apenas a organização dos explorados é que ditará se essas lutas serão vitoriosas ou não.



[1] “O império Gidion e Transtusa; serviço sem licitação”, Gazeta de Joinville, 26 de fevereiro de 2010, consultado em http://www.gazetadejoinville.com.br/site/arquivos/1415 .
[2] Caso de “transformismo”? Talvez, mesmo provável. A passagem do PT ao campo inimigo, ainda sempre objeto de boa parte do melhor debate brasileiro, pode ser compreendida, senão no todo, ao menos em parte a partir do conceito elaborado por Gramsci, isto é, quando “personalidades políticas [ou mesmo grupos inteiros] elaboradas pelos partidos democráticos de oposição se incorporam individualmente à ‘classe política’conservadora e moderada (caracterizada pela hostilidade a toda intervenção das massas populares na vida estatal, a toda reforma orgânica que substituísse o rígido ‘domínio’ ditatorial por uma ‘hegemonia’”, citação a partir de Gramsci, Antonio, O leitor de Gramsci, ed. Civilização Brasileira, p. 317.
[3] “Semana de luta contra o aumento da tarifa de ônibus em Joinville”, por MPL Joinville, consultado em http://passapalavra.info/?p=4048 .
[4] "Carlito fez acoro de R$125 milhões com empresas de ônibus", A Notícia, 3 de janeiro de 2013, consultado em http://www.clicrbs.com.br/anoticia/jsp/default2.jsp?uf=2&local=18&source=a3999478.xml&template=4191.dwt&edition=21119&section=941 .
[5] “O deprimente Edital de Licitação do Transporte Público de Curitiba”, consultado em http://pibloktok.blogspot.com.br/2010/02/o-melancolico-edital-de-licitacao-do.html .
[6] O plano preliminar de outorga do transporte pode ser consultado em http://www.ippuj.sc.gov.br/downloadArquivo.php?arquivoCodigo=1125.
[7] “Por que recusar o plano da licitação do transporte em Joinville?”, de Miguel Neumann, militante do MPL Joinville, consultado em http://mpljoinville.blogspot.com.br/2012/07/porque-recusar-o-plano-da-licitacao-do.html .
[8] “Carta-Programa entregue na audiência da licitação (30/01)”, consultado em http://nozarcao.blogspot.com.br/2012/01/carta-programa-entregue-na-audiencia-da.html .
[9] Sobre o ponto da gestão, conferir o texto “Acrescentar um ponto ao debate: Conselho de Usuários e Usuárias do Transporte Coletivo”, de Maikon K., consultado em http://nozarcao.blogspot.com.br/2012/02/acrescentar-um-ponto-ao-debate-conselho.html .
[10] “Manifestação contra o aumento reúne 150 pessoas”, consultado em http://portaljoinville.com.br/v4/noticias/2013/01/manifestacao-contra-o-aumento-reune-150-pessoas

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