Por Hernandez Vivan, professor e militante da Frente de Luta pelo Transporte Público
A luta em torno do transporte coletivo no ano de 2013 em Joinville é especialmente decisiva. Isso porque em janeiro de 2014 se encerram a concessão das atuais empresas (Gidion e Transtusa, ligadas às famílias Bogo e Harger, respectivamente), que atuam há mais de 45 anos sem licitação, de maneira que deve ser realizado processo licitatório nesse ano, o qual definirá os próximos quinze anos do transporte em Joinville.
Um dos centros da disputa
política dos movimentos sociais, organizações políticas, partidos e
independentes organizados em torno da Frente de Luta pelo Transporte Público
consiste em debater os termos pelos quais a licitação será orientada.
Alguns elementos da conjuntura política
Em 2009 foi eleito Carlito Merss
do PT. Após quatro tentativas frustradas finalmente alguém remotamente ligado
às classes populares ocuparia o executivo municipal. O próprio Carlito
notadamente tem sua carreira política relacionada à luta por transporte
coletivo, na medida em que em 1995 entrou com processo contrário à renovação –
absolutamente ilegal – da concessão das empresas Gidion e Transtusa[1]. Em
que pese, no melhor estilo petista, o tom ter sido moderado durante toda
campanha e as propostas de mobilidade urbana estarem pautadas por notória
modéstia, havia aparente diferença com os demais governantes, cujo vínculo era
mais orgânico com as classes dominantes. Ilusão, no entanto, rapidamente
desfeita[2].
O fato é que Carlito foi
responsável por quatro aumentos de tarifa de ônibus, correspondentes a todos os
anos de seu mandato. No primeiro ano de seu mandato, em maio de 2009, encontrou
forte oposição dos movimentos organizados[3]. Porém,
como antigo subalterno que era, conhecedor da lógica dos movimentos sociais,
instituiu o que antes era esporádico, e fixou a database dos trabalhadores do
transporte em janeiro, de maneira que o pretexto para o aumento de tarifa – o
reajuste salarial – teria de ser fixado em data próxima. Depois do erro inicial
de aumentar a tarifa em maio, pois encontrou uma cidade mais viva, movimentada,
fora do período de férias escolares, seus outros aumentos foram em 29 de
dezembro de 2010, 27 de dezembro de 2011 e 28 de dezembro de 2012. Com isso
aplicou um golpe poderoso nos movimentos organizados.
Como se não bastasse ter
aperfeiçoado a engenharia social no sentido da contenção das manifestações, um
de seus últimos atos como prefeito, senão o último, foi reconhecer que a
prefeitura municipal tem uma dívida com as empresas Gidion e Transtusa no valor
de 125 milhões de reais[4]. Essa
dívida, exatamente como ocorreu em Curitiba[5],
pode ser incorporada à licitação auferindo vantagem às atuais empresas
alucinadamente consideradas como “endividadas”. Em outras palavras, Carlito, em
seu último e simbólico ato, em posição genuflexa, garantiu mais quinze anos de
exploração à Gidion e Transtusa.
Em golpe de marketing
orquestrado, o prefeito seguinte, Udo Döhler, do PMDB, dono da empresa têxtil
Döhler, “revogou” o último aumento de Carlito Merss em dez centavos. Para
entender: de R$2,75 Carlito aumentou a tarifa para R$3,00 e como um dos
primeiros atos de governo Döhler abaixou-a para R$2,90. Na prática, em que pese
menor, ainda um aumento de tarifa, a tal ponto que o aumento promulgado por
Merss, que teria validade a partir de 5 de janeiro, sequer foi efetivado, agora
em favor do aumento para R2,90 em 7 de janeiro.
Carlito iniciou o processo
licitatório do transporte, todavia sem dar continuidade. Foram realizadas duas
audiências públicas para debater a questão. Muito embora a presença marcante
dos movimentos sociais e o tom geral reprovativo acerca da qualidade do serviço
e da tarifa, nenhuma sugestão dos movimentos e populares foi incorporada ao
plano de licitação[6]. Essa
primeira versão – e até agora única – consiste fundamentalmente na legitimação
do atual modelo de transporte, que até agora é ilegal. O verniz legal é dado ao
presente modelo e ainda aprofundado: o plano de licitação prevê que haverá
aumento de tarifa obrigatoriamente anual, que a capacidade de ônibus que vigora
hoje é suficiente (uma piada de mau-gosto refutada pela experiência diária de
milhares de joinvilenses ao serem enlatados), não prevê nenhum controle
popular. Em resumo, um retrocesso, porque embora seja muito similar ao atual modelo,
ratifica-o e o legaliza[7].
Movimentos sociais
De modo contínuo desde 2003 os
movimentos sociais aparecem na cena política da cidade reivindicando tarifas
mais módicas. Essa reivindicação inicial foi progressivamente modificada e
ampliada. A reivindicação dos anos de 2003, por exemplo, Passe Livre
Estudantil, embora permaneça na agenda política de alguns grupos, cedeu lugar
para o problema global do transporte, a saber, a necessidade de uma empresa
pública e da efetivação do direito à cidade como um todo e para todos. Desde
2010 as várias “Frentes de Luta contra o aumento da tarifa”, eventuais,
limitadas e efêmeras foram substituídas pela Frente de Luta pelo Transporte
Público, que mantém grande constância desde sua fundação e significa um passo
importante na organicidade dos movimentos em torno do transporte na cidade.
Essa nova compreensão se
materializou em um programa político de treze pontos[8]. O
amadurecimento dos movimentos sociais – que em linhas gerais acompanhou as
mudanças no interior do Movimento Passe Livre Nacional, o alargamento da
concepção de mobilidade urbana – foi
explicitado publicamente na primeira audiência pública da licitação. A
concepção da Frente abarca desde o financiamento do transporte, passando pela operação
até a gestão[9].
Esse movimento de elaboração é
importante porque além de refletir o amadurecimento das concepções da Frente,
ele é urgente em razão da proximidade da licitação. Se a crítica é legítima por
si mesma, é notório que é insuficiente para a articulação de uma contra-hegemonia,
de um projeto alternativo que aponte algum caminho e que seja capaz de
mobilizar largos setores sociais. A constituição desse projeto mesmo é um passo
necessário, embora ainda incompleto. Por essa razão a Frente aposta em
massificar a luta por meio de trabalhos de base em escolas, sindicatos e nos
bairros.
Hoje
Em razão do último aumento de
tarifa, que passou a valer a partir do dia 7 de janeiro, a Frente de Luta pelo
Transporte Público convocou manifestação para o dia 8. O objetivo da Frente é
ligar a luta contra o não-aumento com a luta pelos termos da licitação. Na
manifestação compareceram 150 pessoas que fizeram ouvir sua reivindicação por
um transporte fora da lógica do lucro[10].
Essa é apenas a primeira manifestação do ano, de muitas que necessariamente
virão.
O atual momento das lutas em
torno do transporte em Joinville é, dessa maneira, decisivo. Decidirá como
funcionará o transporte pelos próximos quinze anos. A organização dos
explorados determinará o modo pelo qual o transporte será estruturado: se
privado, se público, se um modelo misto ou o que for; se a gestão caberá à
burocracia, a empresários privados, a conselhos populares vinculados ao Estado
ou a outros tipos de organização; se o financiamento será por meio de impostos
progressivos ou tarifado sobre os mais pobres. O fato é que 2013 será um ano de
lutas. Apenas a organização dos explorados é que ditará se essas lutas serão
vitoriosas ou não.
[1] “O
império Gidion e Transtusa; serviço sem licitação”, Gazeta de Joinville, 26 de
fevereiro de 2010, consultado em http://www.gazetadejoinville.com.br/site/arquivos/1415
.
[2]
Caso de “transformismo”? Talvez, mesmo provável. A passagem do PT ao campo
inimigo, ainda sempre objeto de boa parte do melhor debate brasileiro, pode ser
compreendida, senão no todo, ao menos em parte a partir do conceito elaborado
por Gramsci, isto é, quando “personalidades políticas [ou mesmo grupos
inteiros] elaboradas pelos partidos democráticos de oposição se incorporam
individualmente à ‘classe política’conservadora e moderada (caracterizada pela
hostilidade a toda intervenção das massas populares na vida estatal, a toda
reforma orgânica que substituísse o rígido ‘domínio’ ditatorial por uma
‘hegemonia’”, citação a partir de Gramsci, Antonio, O leitor de Gramsci, ed. Civilização Brasileira, p. 317.
[3] “Semana
de luta contra o aumento da tarifa de ônibus em Joinville”, por MPL Joinville,
consultado em http://passapalavra.info/?p=4048
.
[4] "Carlito
fez acoro de R$125 milhões com empresas de ônibus", A Notícia, 3 de janeiro de 2013, consultado em http://www.clicrbs.com.br/anoticia/jsp/default2.jsp?uf=2&local=18&source=a3999478.xml&template=4191.dwt&edition=21119§ion=941
.
[5] “O
deprimente Edital de Licitação do Transporte Público de Curitiba”, consultado
em http://pibloktok.blogspot.com.br/2010/02/o-melancolico-edital-de-licitacao-do.html
.
[6] O
plano preliminar de outorga do transporte pode ser consultado em http://www.ippuj.sc.gov.br/downloadArquivo.php?arquivoCodigo=1125.
[7] “Por
que recusar o plano da licitação do transporte em Joinville?”, de Miguel
Neumann, militante do MPL Joinville, consultado em http://mpljoinville.blogspot.com.br/2012/07/porque-recusar-o-plano-da-licitacao-do.html
.
[8]
“Carta-Programa entregue na audiência da licitação (30/01)”, consultado em http://nozarcao.blogspot.com.br/2012/01/carta-programa-entregue-na-audiencia-da.html
.
[9]
Sobre o ponto da gestão, conferir o texto “Acrescentar um ponto ao debate:
Conselho de Usuários e Usuárias do Transporte Coletivo”, de Maikon K.,
consultado em http://nozarcao.blogspot.com.br/2012/02/acrescentar-um-ponto-ao-debate-conselho.html
.
[10] “Manifestação
contra o aumento reúne 150 pessoas”, consultado em http://portaljoinville.com.br/v4/noticias/2013/01/manifestacao-contra-o-aumento-reune-150-pessoas
.
Fonte: diariodaliberdade.org .
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