No dia 22 de janeiro, após a
manifestação contra o aumento da tarifa, três apoiadores do Movimento Passe
Livre foram presos pela PM. Os vídeos que mostram com eloqüência os métodos
bárbaros da Polícia Militar já correram a internet. O Coletivo Metranca
produziu uma excelente síntese sobre os eventos com alguns depoimentos:
Vídeo produzido pelo Coletivo Metranca, contendo depoimentos e excertos de cenas gravadas pelo coletivo e demais manifestantes.
Vídeo original produzido por Rodrigo Lemos, com as cenas integrais da emboscada policial.
A manifestação, embora com
eventuais tensões, ocorreu bem. A queima de pneus, o fechamento de vias, as
ovadas na prefeitura e Passebus. No entanto, ao contrário das manifestações
anteriores, a presença ostensiva de policiamento evidenciou-se. A Cavalaria e o
helicóptero da Polícia Militar tentaram em vários momentos intimidar os manifestantes.
No mais, todavia, a manifestação seguiu seu ritmo corriqueiro.
Após atirar ovos e tomates podres á Prefeitura podre, helicóptero com policiais armados com fuzis, sobrevoa manifestantes. |
A suposta justificativa de
abordagem de um ônibus, com seis viaturas, motos e policiais militares
intimidando, sobretudo, mulheres, estaria amparada supostamente na denúncia de
que uma bicicleta teria sido furtada e estaria sendo transportada no interior
de um ônibus. A história é fantasiosa e risível, produto da incapacidade de
criar versões credíveis para uma abordagem desproporcional. O fato é que após a
manifestação pular as catracas do terminal uma manifestante, munida de
bicicleta, adentrou com ela no coletivo após o consentimento tanto dos passageiros como de um fiscal das empresas de transporte. Some-se a isso o fato de
inexistir legislação que proíba o transporte de bicicleta no interior do
ônibus. A abordagem foi feita segundo esse pretexto.
No meio da abordagem os três
apoiadores do movimento apareceram no local e após a evidente satisfação do
Capitão Venera, comandante da operação do dia, em vê-los, a prisão dos três foi
efetuada de modo imediato. Venera reconheceu-os como pretensas “lideranças” e,
em sua cabeça arraigada da mentalidade hierárquica, do amor à obediência,
pensava que “prendendo líderes” as manifestações esgotar-se-iam por si mesmas.
Além das prisões terem sido efetuadas com tentativas de quebrar os dedos de um
dos manifestantes e com ameaças de morte, no interior da delegacia os
apoiadores do MPL foram ainda alvos de piadas homofóbicas e tentativas de
desmoralização. Após a chegada da advogada do Centro de Direitos Humanos,
Cynthia da Luz, os apoiadores foram soltos. Dois deles são acusados de
obstrução ao trabalho policial e outro do crime de desobediência.
No dia seguinte um membro do MPL
teve a oportunidade de discutir com o comandante da Polícia Militar em
Joinville, Tenente-Coronel Adilson Moreira, sobre a arbitrariedade das prisões.
O tom genérico das declarações do
comandante demonstram com clareza que além de ele não estar informado dos
eventos, há uma incapacidade crônica em justificar o uso da força policial tal
como ela foi usada. Se nem a PM é capaz de argumentar em favor do uso
desproporcional da força, quem o fará por ela? O receio manifestado pelo
comandante é que a PM se torne o “alvo” das manifestações. Compreensível, na
medida em que a violação de direitos humanos perpetrada por agentes policiais está
amplamente documentada, seja nas invasões às favelas, seja nas manifestações
populares, seja no fato da PM de Joinville ser a campeã de abordagens com mortes em SC, seja
no desaparecimento de Amarildo no Rio de Janeiro ou do garoto Wesley em
Araquari.
É importante lembrar que a lógica
da repressão não obedece simplesmente o desejo de ordem e sangue presente em
parte do corpo policial – embora esse fator não seja desprezível. A repressão é
fundamental para a permanência da ordem, e a ordem é a ordem capitalista da
propriedade privada dos meios de produção. A PM em Joinville atuou como a
guarda privada destacada das empresas Gidion e Transtusa. Para quê elas
precisam contratar seguranças privados se elas têm seguranças treinados e pagos
com o orçamento público? A defesa incondicional da propriedade tem sido a
tarefa prioritária da PM.
O filósofo Vladimir Safatle lembrou
recentemente que a Organização das Nações Unidas – ONU – recomendou, com excelentes motivos, a extinção da Polícia Militar no Brasil:
“No final do mês de maio, o Conselho de Direitos Humanos da ONU sugeriu a pura e simples extinção da Polícia Militar no Brasil. Para vários membros do conselho (como Dinamarca, Espanha e Coreia do Sul), estava claro que a própria existência de uma polícia militar era uma aberração só explicável pela dificuldade crônica do Brasil de livrar-se das amarras institucionais produzidas pela ditadura”.
Nós do Movimento Passe Livre nos
somamos a essa recomendação, que significa uma luta diária denunciando
estrutura, métodos e toda a sorte de abordagens da PM. A democratização
iniciada em 1985 só atingiu algumas instituições da sociedade brasileira , enquanto
outras ficaram praticamente imunes a esse processo. A Ditadura Civil-Militar
não foi expurgada da Polícia Militar; por isso é necessário expurgar o
militarismo de nossa sociedade.
Movimento Passe Livre
Joinville, 29 de janeiro de 2014.
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