sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

Sobre a criminalização dos movimentos sociais e do papel da Polícia Militar na sociedade

No dia 22 de janeiro, após a manifestação contra o aumento da tarifa, três apoiadores do Movimento Passe Livre foram presos pela PM. Os vídeos que mostram com eloqüência os métodos bárbaros da Polícia Militar já correram a internet. O Coletivo Metranca produziu uma excelente síntese sobre os eventos com alguns depoimentos:

Vídeo produzido pelo Coletivo Metranca, contendo depoimentos e excertos de cenas gravadas pelo coletivo e demais manifestantes.

Vídeo original produzido por Rodrigo Lemos, com as cenas integrais da emboscada policial.

A manifestação, embora com eventuais tensões, ocorreu bem. A queima de pneus, o fechamento de vias, as ovadas na prefeitura e Passebus. No entanto, ao contrário das manifestações anteriores, a presença ostensiva de policiamento evidenciou-se. A Cavalaria e o helicóptero da Polícia Militar tentaram em vários momentos intimidar os manifestantes. No mais, todavia, a manifestação seguiu seu ritmo corriqueiro.

Após atirar ovos e tomates podres á Prefeitura podre, helicóptero com policiais armados com fuzis, sobrevoa manifestantes.
A suposta justificativa de abordagem de um ônibus, com seis viaturas, motos e policiais militares intimidando, sobretudo, mulheres, estaria amparada supostamente na denúncia de que uma bicicleta teria sido furtada e estaria sendo transportada no interior de um ônibus. A história é fantasiosa e risível, produto da incapacidade de criar versões credíveis para uma abordagem desproporcional. O fato é que após a manifestação pular as catracas do terminal uma manifestante, munida de bicicleta, adentrou com ela no coletivo após o consentimento tanto dos passageiros como de um fiscal das empresas de transporte. Some-se a isso o fato de inexistir legislação que proíba o transporte de bicicleta no interior do ônibus. A abordagem foi feita segundo esse pretexto.

No meio da abordagem os três apoiadores do movimento apareceram no local e após a evidente satisfação do Capitão Venera, comandante da operação do dia, em vê-los, a prisão dos três foi efetuada de modo imediato. Venera reconheceu-os como pretensas “lideranças” e, em sua cabeça arraigada da mentalidade hierárquica, do amor à obediência, pensava que “prendendo líderes” as manifestações esgotar-se-iam por si mesmas. Além das prisões terem sido efetuadas com tentativas de quebrar os dedos de um dos manifestantes e com ameaças de morte, no interior da delegacia os apoiadores do MPL foram ainda alvos de piadas homofóbicas e tentativas de desmoralização. Após a chegada da advogada do Centro de Direitos Humanos, Cynthia da Luz, os apoiadores foram soltos. Dois deles são acusados de obstrução ao trabalho policial e outro do crime de desobediência.

No dia seguinte um membro do MPL teve a oportunidade de discutir com o comandante da Polícia Militar em Joinville, Tenente-Coronel Adilson Moreira, sobre a arbitrariedade das prisões.


O tom genérico das declarações do comandante demonstram com clareza que além de ele não estar informado dos eventos, há uma incapacidade crônica em justificar o uso da força policial tal como ela foi usada. Se nem a PM é capaz de argumentar em favor do uso desproporcional da força, quem o fará por ela? O receio manifestado pelo comandante é que a PM se torne o “alvo” das manifestações. Compreensível, na medida em que a violação de direitos humanos perpetrada por agentes policiais está amplamente documentada, seja nas invasões às favelas, seja nas manifestações populares, seja no fato da PM de Joinville ser a campeã de abordagens com mortes em SC, seja no desaparecimento de Amarildo no Rio de Janeiro ou do garoto Wesley em Araquari.


É importante lembrar que a lógica da repressão não obedece simplesmente o desejo de ordem e sangue presente em parte do corpo policial – embora esse fator não seja desprezível. A repressão é fundamental para a permanência da ordem, e a ordem é a ordem capitalista da propriedade privada dos meios de produção. A PM em Joinville atuou como a guarda privada destacada das empresas Gidion e Transtusa. Para quê elas precisam contratar seguranças privados se elas têm seguranças treinados e pagos com o orçamento público? A defesa incondicional da propriedade tem sido a tarefa prioritária da PM. 


“No final do mês de maio, o Conselho de Direitos Humanos da ONU sugeriu a pura e simples extinção da Polícia Militar no Brasil. Para vários membros do conselho (como Dinamarca, Espanha e Coreia do Sul), estava claro que a própria existência de uma polícia militar era uma aberração só explicável pela dificuldade crônica do Brasil de livrar-se das amarras institucionais produzidas pela ditadura”.

Nós do Movimento Passe Livre nos somamos a essa recomendação, que significa uma luta diária denunciando estrutura, métodos e toda a sorte de abordagens da PM. A democratização iniciada em 1985 só atingiu algumas instituições da sociedade brasileira , enquanto outras ficaram praticamente imunes a esse processo. A Ditadura Civil-Militar não foi expurgada da Polícia Militar; por isso é necessário expurgar o militarismo de nossa sociedade. 



Movimento Passe Livre Joinville, 29 de janeiro de 2014. 

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