Passe Livre para idosos?
A concessão de um benefício justo - a gratuidade na tarifa para idosos entre 60 e 64 anos – seguido de sua retirada, é um dos sintomas que provam que nosso modelo de transporte está cheio de problemas. Tarifa alta, desconforto, poucas linhas, falta de segurança, ônibus ruins e lotados são características de um transporte nada democrático, controlado por duas empresas privadas que fazem o que bem entendem, com autorização da prefeitura de Joinville.
Sendo o nosso transporte uma fonte sem controle de lucros para os empresários, não espanta que qualquer benefício que diminua esse lucro seja retirado. Acesso à cidade, ao entretenimento, ao lazer, a arte e respeito ao direito de ir e vir, que um transporte de qualidade e democrático deve atender, não faz sentido quando o sistema está à serviço do lucro de indivíduos. O que conhecemos como transporte coletivo público de Joinville não existe. Se pagamos para usá-lo, não é público. Se dá lucros a indivíduos, não é nosso!
A prefeitura, ao conceder a gratuidade para os idosos, quis aplicar uma melhoria no sistema, mas o MPL, apesar de lutar pelo passe livre, sempre indicou que esse benefício - para qualquer setor, categoria ou classe da população - só seria possível com uma transformação no sistema.
Apesar de ser uma injustiça a retirada do benefício, dentro da lógica que estamos inseridos, as empresas podem sim recorrer e cancelar qualquer medida que não atenda aos seus interesses. Fica claro que não poderemos caminhar livres enquanto estivermos dominados por empresas privadas. A iniciativa da gratuidade por parte da prefeitura foi uma tentativa de tapar o sol com a peneira. Uma farsa, pois qualquer tipo de passe livre é incompatível com o atual modelo de transporte.
Assim, as ações da prefeitura caminham sempre para manter essa lógica, desviando da necessidade de retirada das empresas Gidion e Trantusa, que há 40 anos exploram o transporte sem licitação.
Agora, a prefeitura promete retornar o benefício, dizendo ser uma questão de honra. Algumas medidas são apontadas como solução: criação de um fundo municipal para o transporte ou até o uso de recursos financeiros de outras áreas. Mas o que para eles resolveria o problema não passa de mais uma maneira de continuar satisfazendo as empresas – colocando dinheiro público no bolso dos empresários. Acabaremos pagando pelo transporte duas vezes: diretamente quando compramos uma passagem e indiretamente quando parte do orçamento de nossos impostos for para o bolso dos empresários.
Se for pra honrar compromisso, o atual prefeito deve se lembrar que anos atrás entrou com uma ação no Ministério Público contra as empresas e que em campanhas passadas criticava o atual sistema de transporte, prometendo mudança se fosse eleito. Manter o benefício com o dinheiro público é, na verdade, manter um compromisso com as empresas – um compromisso de exploração.
Todos os idosos merecem a gratuidade, mas esse benefício só pode ser implantado com uma transformação no sistema, que pode ser capaz de dar passe livre a toda população. Um transporte público, sem exploração privada, com tarifa zero. É em torno dessa proposta que deve girar a discussão para a implantação de um novo sistema, não em simples medidas, como subsídios e abertura de concessão para exploração das mesmas e até de novas empresas.
Experiências testadas
Entre os anos de 1989 e 1993, São Paulo teve um grande debate sobre a questão do transporte coletivo. Desde aquela época, transporte já era sucateado e tinha tarifa altíssima, não atendendo assim as necessidades da população. A Prefeitura, vendo as dificuldades encontradas no sistema de transporte, encabeçou dois projetos para mudar essa realidade: o tarifa zero e a munipalização.
Tarifa Zero
No Tarifa Zero não eram mais os usuários que pagavam o transporte coletivo, mas sim as camadas mais ricas da população, através de impostos. Esses impostos funcionavam de maneira progressiva, ou seja, paga mais quem tem mais, paga menos quem tem menos. Já quem não tinha nada, nada pagava.
Essa idéia parte da lógica que é os donos das empresas e comércios são quem realmente se beneficiam com o transporte, pois, é graças a ele que as pessoas podem chegar aos seus locais de trabalhos e/ou consumir os produtos. Então nada mais justo que eles arquem com essa despesa.
Um projeto piloto do Tarifa Zero foi testado com sucesso no Conjunto Habitacional Cidade Tiradentes, na cidade de São Paulo, em 1991 - onde moravam aproximadamente 200 mil pessoas. Porém a ideia não foi implantada em toda cidade pois não foi aprovada na Câmara de Vereadores, onde a Governo Municipal tinha minoria, e não ouve pressão popular suficiente para manter o projeto.
Municipalização
Na municipalização, muda a forma de pagar as empresas de transporte coletivo. Hoje em dia elas são pagas diretamente através dos usuários - sem fiscalização da Prefeitura ou da população.
No sistema municipalizado, as empresas não ganhariam por usuário, mas sim por viagem e quilômetro rodado - dessa forma, quanto mais as empresas colocarem ônibus nas ruas, mais elas ganhariam.
Esse sistema também prevê a criação de um caixa municipal do transporte, onde estaria o dinheiro para ser repassado para as empresas, vindo dos impostos progressivos.
É impossível pensar no Tarifa Zero com o atual modelo de transporte. A munipalização é uma das formas de viabilizar essa prosposta.
A municipalização já foi implantada em todo o sistema de transporte na cidade de São Paulo, em 1991. Ela proporcionou um aumento na qualidade do transporte e maior controle da prefeitura sobre as empresas. Apesar disso, por pressão das empresas de ônibus, o projeto não passou de três mandatos.
Participação Popular
Nós do Movimento Passe Livre sempre defendemos que precisamos de transporte “gratuito, abundante e de qualidade” para que todos possam usufruir da cidade. Por isso acreditamos que só o Tarifa Zero e a Munipalização resolverão de uma vez o problema do transporte. Acreditamos que a população deva participar de forma direta na administração e na organização do transporte coletivo, para assim termos não só um transporte gratuito, mas também abundante e de qualidade.
Cabe a nós, a população, pensarmos em formas para viabilizar essa participação e discutir propostas que realmente melhore nossas condições de vida.
Pequeno aumento que pesa no bolso do cidadão
As duas sacolas de alimentos que Márcia traz ao sair do supermercado poderiam estar mais cheias. O estudante Cláudio não aprecia mais o sabor da comida de sua mãe. Agora ele mora sozinho no centro da cidade. Nos dois casos, a pequena diferença diária no aumento do preço da passagem do transporte público mudou o rumo desses cidadãos joinvilenses. Os 12,2% de acréscimo no valor do passe, feito na metade de 2009, adicionou apenas R$ 0,25 por unidade, diferença que no final de cada mês, pesa bem mais que poucos centavos.
Márcia trabalha como secretária. Usa o ônibus como meio de transporte do bairro onde mora para seu trabalho. Além dela, sua mãe, que trabalha como diarista, utiliza o transporte coletivo para sua locomoção. O gasto diário fixo é de quatro bilhetes. Com a média mensal de 22 dias úteis, Márcia e sua mãe gastam R$ 202,40 com passagens de ônibus somente para locomoção até o trabalho. Antes do aumento, o gasto era R$ 180,40. Com a diferença de R$ 22,00, equivalente aos R$ 0,25 de aumento por unidade de passe, a secretária poderia comprar cinco quilos de arroz, cinco quilos de açúcar, um quilo de feijão, um quilo de sal, cinco quilos de farinha de trigo e um quilo de macarrão. Segundo o Procon de Joinville, a soma do valor desses alimentos custaria R$21,99 – um centavo a menos que a diferença após o aumento. “Isso sem contar com os 6% de aumento de água”, completa Márcia.
Márcia mora de aluguel. Paga R$ 300,00 por mês. São quatro pessoas morando na casa. Como o bairro onde mora é afastado do centro da cidade e pouco se encontra de lazer e cultura na região, é preciso utilizar o transporte coletivo se tiver interesse por teatro, cinema, shows e outros eventos. “É complicado, às vezes quero levar meu filho no parquinho, mas não tem como. A passagem ta muito cara”, explica.
Para o estudante Cláudio, a alternativa para diminuir os gastos, foi morar próximo ao trabalho e com fácil locomoção de bicicleta para faculdade. “Morava do outro lado da cidade, é complicado usar a bicicleta todo o trecho. Morando no Centro, fica mais fácil”, disse. O estudante utilizava três passagens diariamente nos dias de semana. Nos finais de semana, costumava usar quatro passes. A média de R$ 168,10 gastos durante o mês, já o fazia pensar em se mudar. Quando o valor para usar o transporte passou para R$ 188,60, decidiu fazer as malas e sair do bairro Floresta. “Gasto R$180,00 de aluguel e acabo economizando no almoço também”, completa. A única tristeza do estudante é a falta do “feijãozinho da mãe”. “Agora tenho que me virar, mas economicamente vale mais a pena”, comenta.
1 comentários:
Muito bacana o jornal, parabéns pessoal!
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