As Jornadas de Junho, como ficou conhecida, foi uma das maiores vitórias da população de baixo. Mais de 100 cidades barraram o aumento de tarifa[1] e a pauta do transporte entrou de fato nas discussões de toda população. Se até então os debates sobre ônibus sem catracas, redução de tarifas e tarifa zero[2] eram desconhecidas ou vistas como “loucura”, as Jornadas de Junho quebraram essas correntes. Hoje, tanto as pautas do transporte coletivo fora das empresas privadas, como o Movimento Passe Livre (MPL) são conhecidos e debatidos em todo país.
Mas especialmente o dia 20 de junho de 2013 é um dia marcante para os/as que lutam. Em São Paulo, maior cidade do Brasil, o ato foi em comemoração ao congelamento da tarifa, realizado pelo ex-prefeito Fernando Haddad (PT), ao lado do governador Geraldo Alckmin (PSDB), um dia antes, em 19 de junho. Em Joinville no mesmo mês, mais de 20 mil pessoas foram às ruas contra as tarifas. Em outra manifestação, centenas de pessoas caminharam até a sede da Transtusa, que neste dia, teve a fachada protegida por cordões da Polícia Militar (PM). Com muita repressão policial em todas as cidades, no Rio de Janeiro o fato mais inacreditável. No mesmo 20 de junho de 2013, Rafael Braga, preto e pobre, era preso e meses depois condenado a 11 anos de prisão por portar pinho sol, que segundo a PM, algo criminoso para se carregar ao caminhar em vias públicas.
Quatro anos depois, a criminalização não parou, pelo contrário, continua tão viva quanto a luta. Hoje, 20 de junho de 2017, seis pessoas do Bloco de Lutas pelo Transporte Público de Porto Alegre serão julgadas por supostos atos de crime nas manifestações de Junho de 2013. Julgados por estarem na luta. Julgadas por quem nunca esteve, mas que tem o poder de estarem em ganfrinos gabinetes - e provavelmente em carros com temperatura agradável regulada pelo ar condicionado -.
Diferente de alguns setores políticos - inclusive de esquerda -, o MPL - Joinville não vê as Jornadas de Junho como um início ou motivo para o avanço da direita, aval para o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, ou que aquelas foram manifestações desorganizadas ou sem pauta definida. Para isso, nos baseamos nas chamadas para os atos, as faixas de frente dos atos, cantos, falas e catracaços. Todos, voltados para um tema: contra o aumento de tarifa. Não por menos, 100 cidades barraram os aumentos de tarifa. Outra conquista fundamental para a luta pelo transporte pós-Jornadas de Junho é a aprovação da PEC 74/2013[3], que coloca o transporte coletivo como direito social na Constituição Federal, aprovado em dezembro de 2013 no Senado[4].
Pensamos, claro, que é indiscutível que em certo momento as pautas foram aumentando e muitos atos se tornaram genéricos. Isso, massificada pós-redução das tarifa nas 100 cidades. Porém, aqui fazemos uma reflexão sobre o poder e distorção do caráter dos atos que os grandes meios de comunicação podem fazer. Por vezes, as grandes mídias - que pela televisão chegam em 95% das casas brasileiras - intensificaram as chamadas dizendo que as manifestações eram contra a corrupção ou contra a PEC 37, em vez de citar a luta contra o aumento de tarifa. Nesse caso ou em qualquer outro, o enfrentamento contra as empresas de notícias para manter a pauta é um trabalho árduo e duro, dobrando a dificuldade quando se está num período de manifestações. Mesmo assim, com os trabalhos de base e utilizando a internet - que chega em 58% do lares -, pensamos que o caráter das manifestações em que o MPL convocou eram claros e possível de se entender o real objetivo, sendo este a “guerra contra o aumento da tarifa”.
Mas para além disso, também preferimos ficar com alguns outros momentos e vitórias históricas para os/as de baixo conquistados depois das Jornadas de Junho de 2013. Várias lutas foram realizadas inspiradas nas ideias de organização horizontal, autônoma e apartidária, esses mesmos princípios realizados pelo MPL desde sua fundação em 2005. Ou seja, se alguns setores preferem afirmar que o Movimento Passe Livre deu aval para setores reacionários, nós preferimos ficar com a Revolta dos Garis no Rio de Janeiro[5], em 2015; com a luta por luz e água em Guiné-Bissau[6] e com as ocupações das escolas em todo o país em 2015 e 2016.
As Jornadas de Junho de 2013 não “aconteceram do nada”. Para ser o que foi, para que centenas de milhões de pessoas fossem às ruas contra o aumento de tarifa e por um transporte coletivo de qualidade, foram oito anos de muito trabalho de base em escolas, universidades, bairros, diálogos com outros movimentos sociais, com setores da educação, saúde etc. Incansáveis discussões com estudantes e trabalhadores.
Quatro anos se passaram e a luta continua viva, as catracas continuam sendo puladas. Portanto, a luta e o Movimento Passe Livre não param, assim como as Jornadas de Junho vivem. O MPL ainda está por aí, nos bairros, escolas, ocupações e incansavelmente enfrentando as monstruosas Máfias do Busão, e junto à população, mostrando que andar de ônibus sem catracas e sem tarifas é possível[7].
Outras jornadas de lutas contra as tarifas virão. A Tarifa Zero será pra geral![8]
LIBERDADE PARA RAFAEL BRAGA!
PROTESTO NÃO É CRIME! SÓ A LUTA MUDA A VIDA!
TARIFA ZERO QUANDO? TARIFA ZERO JÁ! POR UMA VIDA SEM CATRACAS!
Notas:
[1] Veja em quais cidades houve redução da tarifa do transporte em 2013, disponível em: http://g1.globo.com/brasil/noticia/2013/07/veja-em-quais-cidades-houve-reducao-da-tarifa-do-transporte-em-2013.html
[2] O que é tarifa zero?, disponível em: http://mpljoinville.blogspot.com.br/2010/06/o-que-e-tarifa-zero.htm
[3] PROPOSTA DE EMENDA À CONSTITUIÇÃO nº 74, de 2013, disponível em: http://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/115729
[4] Transporte passa a ser direito social na Constituição, disponível em: http://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2015/09/09/transporte-passa-a-ser-direito-social-na-constituicao
[5] Nova vitória de garis do Rio de Janeiro mantém viva a ‘revolução laranja’, disponível em: http://brasil.elpais.com/brasil/2015/03/21/politica/1426969477_916839.html
[6] Guiné-Bissau: uma luta por luz e água, disponível em: http://passapalavra.info/2014/08/98833
[7] Maricá, a cidade do passe livre, disponível em: https://www.cartacapital.com.br/sociedade/marica-a-cidade-do-passe-livre-4100.html
[8] Tarifa zero e mobilização popular | Lúcio Gregori e Paulo Arantes, disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=QyPBUDlV4d4