quinta-feira, 11 de abril de 2013

Entrevista com a Frente Autônoma, do Bloco de Luta pelo Transporte Público de Porto Alegre



Desde o início do ano, o Sindicato das Empresas de Ônibus (Seopa) e a prefeitura de Porto Alegre, vinham se articulando para aumentar o preço da passagem da capital gaúcha. A partir de então, o Bloco de Luta pelo Transporte Público organizou diversas manifestações contra o aumento, que ganharam ainda mais força com o posicionamento do Tribunal de Contas do Estado (TCE) e do Ministério Público, que viam irregularidades no cálculo da tarifa. Ainda assim, a prefeitura concedeu o reajuste, aumentando a tarifa de R$ 2,85 para R$ 3,05. A resposta a esse verdadeiro assalto a população veio nas ruas, na forma de mais manifestações, cada vez maiores, chegando a reunir quase 10 mil pessoas. A pressão popular culminou na revogação do aumento por uma liminar da Justiça
Manifestação do dia, 04/04/2013
Porém, a luta não terminou. As empresas ainda podem recorrer da decisão, e o Bloco de Luta pelo Transporte Público permanece mobilizado, para impedir isto e para avançar ainda mais nas pautas, que hoje são a diminuição da tarifa para R$ 2,60 e a abertura das contas das empresas

Veja abaixo uma entrevista com a Frente Autônoma, um dos grupos que compõem o Bloco de Luta pelo Transporte Público
1-  Há alguns meses, se acompanha em Porto Alegre um forte movimento em torno da questão do transporte coletivo, em especial com relação ao aumento da tarifa. Mais que no ano passado, por exemplo. A que fatores vocês atribuem esse crescimento da luta contra o aumento da tarifa?

Um dos principais fatores diz respeito a nossa articulação, aqui em Porto Alegre, a data em que o aumento costuma chegar é no final do mês de fevereiro, nos anos anteriores os diversos grupos que compõem o Bloco de Lutas se reuniam em torno de um mês antes desta data para puxar os atos e tentar barrar o aumento, este ano foi diferente; já na primeira semana de janeiro chamamos uma assembléia, nela encaminhamos as Comissões de Trabalho e marcamos um ato, e mesmo com dificuldade em consensos, de lá pra cá tivemos quase que um ato por semana, mas até então eram marchas onde saímos pelas ruas do Centro entregando panfletos e dialogando com a população, mas que embora o número de pessoas aumentasse a cada ato, estes não chegavam a 500 pessoas; até que na última semana, após realizarmos dois atos simultâneos  trancando duas vias importantes da cidade, onde a PM e a Guarda Municipal agiram de forma totalmente truculenta e dois dias depois, saímos às ruas novamente e em outro confronto, desta vez em frente à prefeitura envolvendo o secretário de governança da cidade o prefeito José Fortunati foi à público convocar os “cidadãos de bem” a não aceitarem a “violência” dos “baderneiros”, o que se viu depois disso foram 10 mil pessoas nas ruas exigindo a revogação do aumento e a redução imediata no valor para R$ 2,60.

A nossa organização, a decisão do TCE, o repúdio às declarações do prefeito, as jogadas da mídia – principalmente do Grupo RBS – que durante todo o tempo tentou nos criminalizar e nos dividir, juntamente com a repressão policial, serviram de fermento para a nossa luta que a cada dia cresce e toma as ruas, o que se vê hoje em Porto Alegre, são milhares de pessoas que vem tomando consciência que é na força das ruas onde pressionaremos e teremos vitória de fato.
2 - No meio desse processo de luta, houve uma “orientação” do TCE, quanto à redução da Tarifa e seu recalculo. Como se deu isso? Vocês avaliam que isso foi reflexo da luta nas ruas?

No final de janeiro, o TCE seguindo o pedido feito pelo Ministério Público, determinou que a EPTC revisasse o modo como é feito o cálculo do aumento das tarifas, foi observado que as empresas de ônibus faziam um cálculo irregular, pois era considerada a frota total de veículos na hora do reajuste. No inicio de março os recursos protocolados pela EPTC e pelo Sindicato das Empresas de Ônibus (SEOPA) foram negados e por determinação do TCE o cálculo do aumento não poderia mais ser feito sobre a frota inoperante, e mais, sugeriram o redução do valor da tarifa para R$ 2,60, pois este seria o valor apontado com o cálculo sobre a frota operante.

Após este resultado, a EPTC fez um novo pedido, desta vez utilizando outros recursos para ao aumento, dentre eles, jogando a culpa nos trabalhadores rodoviários, nos estudantes e nas isenções, o pedido foi aceito pelo COMTU e fez com que Porto Alegre tivesse a 2ª passagem mais cara das capitais do país.

Durante todo este processo, seguimos em luta nas ruas, mesmo com o primeiro resultado do julgamento, temos a clareza de que foi a nossa luta, o debate com a população, a denúncia dos lucros dos empresários que trouxeram esta pauta à tona e o que resultou no apontamento do TCE. Sabíamos que este resultado daria mais “legitimidade” às nossas reivindicações perante a população, mas em nenhum momento substituímos a ação popular nas ruas por debates em gabinetes, esta não é a nossa forma de fazer política, demonstramos isso quando 10 mil pessoas foram às ruas na última semana reafirmando onde é a nossa esfera de luta.
3 - Agora a luta continua contra esse novo aumento, que foi aprovando pelo COMTU (Conselho Municipal de Transporte Urbano). Como vocês enxergam o papel desse conselho em relação ao transporte coletivo de Porto Alegre? Existe alguma forma da sociedade civil atuar dentro dele?

 O papel do COMTU hoje é o de beneficiar os empresários; o Conselho é composto majoritariamente por órgãos vinculados à prefeitura e às operadoras, existe um regimento interno que diz que para entrada no Conselho é necessário o crivo das entidades que compõe o COMTU, desta forma, é a prefeitura e as operadoras que escolhem quem entra ou sai do Conselho, trabalhando de forma coordenada para visar apenas o lucro das empresas e colocando o transporte público em segundo plano. Os poucos representantes da sociedade civil que fazem parte do Conselho não possuem nenhuma voz lá dentro, ao contrário, muitas vezes ignoram aqueles aos quais eles representam e votam junto aos empresários, como foi o caso do Orçamento Participativo e da União Metropolitana dos Estudantes Secundários de Porto Alegre – UMESPA que ignorou todo o processo de luta dos estudantes e votou a favor do aumento numa clara traição àqueles aos quais ela deveria representar.

Isso sem falar na forma como é votado o percentual de aumento, pois os conselheiros têm apenas 24 horas para analisar as planilhas e decidir contra ou a favor do aumento, planilha essa que é elaborada pela EPTC, órgão da prefeitura que durante todo o tempo se colocou descaradamente ao lado dos empresários mesmo com o parecer do TCE.

Sendo assim, o COMTU, da forma que está organizado hoje, em nada pode ajudar a população, é um jogo de cartas marcadas onde quem sempre ganha é a Associação de Transportadores de Passageiros - ATP. Temos total clareza de que com os conselheiros que lá estão, por mais absurdo que seja o percentual, o aumento sempre será aprovado.
4 - A Luta hoje em Porto Alegre é tocada pelo Bloco de Luta pelo Transporte Público, e vocês constituem a Frente Autônoma (FA), dentro desse Bloco. Como se constituiu e funciona hoje o Bloco de Luta? De que forma a Frente Autônoma atua dentro dele?


Há alguns anos que se tenta formar uma unidade na luta do transporte, o que nunca deu muito certo por aqui, no ano passado se teve mais uma tentativa, foi aí que surgiu o Bloco de Lutas pelo Transporte Público, formado por movimentos sociais, companheiros autônomos, independentes e alguns partidos políticos. Infelizmente, por conta de uma série de desavenças entre os partidos que compõe o Bloco e os demais autônomos e independentes, o Bloco acabou rachando ainda durante as lutas contra o aumento, o resultado foi a fragmentação em dois grupos pequenos: um dos partidos e outro dos demais compas autônomos e independentes fazendo atos separados, o que nada contribuiu para barrar o aumento. Este ano se fez uma nova tentativa de reagrupar o Bloco e entrar em consenso.

Logo no inicio, os mesmos problemas do ano anterior vieram à tona, uma preocupação muito grande em garantir  o Bloco como independente e tentando evitar o aparelhamento, mas embora pensássemos da mesma forma, que o Bloco devia se manter autônomo, horizontal, com acordos firmados em assembleia, e mais, que estes acordos fossem cumpridos de fato quando estivéssemos todos juntos na rua, ainda assim éramos um grupo solto dentro das assembleias onde os partidos levavam todos os seus militantes para disputar fala, o que estava fazendo muita gente pensar em desistir do Bloco pois saíamos cansados de tanta discussão e pouco encaminhamento pra luta.

No final de janeiro boa parte dos militantes deste grupo mais autônomo do Bloco  participaram do ELAOPA – Encontro Latino Americano de Organizações Populares e Autônomas, numa conversa com os compas do MPL/Jlle conseguimos enxergar que este problema (a disputa com os partidos e a luta pelo não aparelhamento do movimento por parte destes) era a mesma em todos os lugares e que só de forma organizada é que conseguiríamos intervir de fato dentro do Bloco, é ai que surge a ideia da Frente autônoma.

A finalidade da FA é de organizar companheiros e companheiras que não possuem vínculo com partidos e demais instituições de cunho eleitoral, nosso trabalho desde então foi lutar dentro do Bloco para garantir uma grande unidade entre distintas vertentes políticas e organizativas e que também não fosse alvo de aparelhamentos.

Temos conseguido juntar um grande número de compas dispostos a fazer a luta fora das urnas, temos organizado mobilizações descentralizadas, como ocupação de terminais de ônibus e panfletagem nos locais mais afastados da cidade, temos feito um trabalho desde a base, de forma pequena, pois ainda estamos aprendendo, mas com certeza estamos sendo forjados nas lutas que tem se seguido nos últimos meses, nunca perdendo o nosso foco que é a construção do poder popular, a construção de um povo forte e não de candidatos fortes.
5 - Nos chama atenção para além da luta contra o aumento da tarifa, a aproximação que o Bloco de Luta tem com motoristas e cobradores, onde um participa e apóia a luta dos outros. Como se dá essa relação? Há um entendimento de que os trabalhadores e usuários do transporte coletivo são vítimas de um mesmo processo de exploração?

Nós entendemos que a luta por um transporte realmente público e de qualidade é uma luta de todos, estudantes e trabalhadores, aliás, a mídia é que tenta o tempo inteiro deslegitimar as mobilizações dizendo que é uma luta somente dos estudantes e ignorando a unidade que existe hoje no Bloco.

A unidade com os rodoviários tem sido construída deste o inicio, temos acompanhado a luta contra um sindicato pelego ligado à Força Sindical que tenta dar golpes o tempo inteiro e senta pra fazer conciliação com a patronal, entendemos que a solidariedade de classe é mais do que uma simples palavra no papel, ele deve ser exercida de fato.

Hoje os rodoviários sofrem com uma jornada de trabalho de 12 horas diárias, e ainda são acusados pelos empresários de ser um dos culpados pelo aumento das passagens, quando na verdade, se pegarmos as pesquisas do DIEESE, podemos ver que em 1994 o salário de um motorista custava o equivalente  a 1.184 passagens e em 2012 este valor passava para 610 passagens, ou seja o argumento de que o aumento se deve ao dissídio destes trabalhadores, é um argumento mentiroso que deve ser combatido.

Nossas ações conjuntas tem se dado desde a participação nos atos como também nos trancaços  nas garagens de ônibus, estes trabalhadores têm nos dado grandes exemplos de luta, como num episódio onde um rodoviário foi demitido numa clara perseguição por participar da Comissão de Negociação e a resposta aos empresários foi dada com a paralisação nas atividade desta empresa até a reintegração  deste trabalhador.

6 - Em linhas gerais, como funciona o transporte coletivo em Porto Alegre? É privado ou público? Há alguma gratuidade ou meia-passagem para os estudantes? Ao que parece há uma empresa estatal de transporte em Porto Alegre. Qual é seu caráter: ela tem um viés público, que caminhe no sentido do barateamento e/ou gratuidade da tarifa? Há algum controle popular sobre a empresa estatal de transporte?

O transporte público de Porto Alegre esta baseado em concessões para empresas e consórcios administrarem esse serviço público. A Carris, que é uma empresa pública, mas com capital privado, segue o mesmo projeto das outras: Aumentar os lucros e sucatear o serviço.

Há quase 25 anos os porto - alegrenses mobilizaram suas forças nas ruas para  encampada da empresa Carris e torná-la pública sobre controle do município, isso em meados de 1989. Desde lá o caminho segue sendo o contrário das mobilizações: A Carris apresenta uma frota de ônibus com maior qualidade do que as privadas, mas se manteve circulando por bairros centrais, deixando a prestação do serviço das linhas das periferias e comunidades para empresas privadas. O resultado: Condições precárias de serviço, ônibus lotado, poucas linhas nos horários de pico. Viramos umas latas de sardinha, um sufoco pra grande maioria dos trabalhadores.

Vivemos em Porto Alegre à quase duas décadas sem um processo transparente de licitações para o transporte público, as empresas que

estão atuando hoje são mantidas pela base de liminar na justiça (Justiça à serviço do capital) e a vista grossa do poder público, (empresas privadas doam recursos para campanhas e depois cobram a conta...) na realidade são empresas ilegais, assim como nas concessões de canais de televisão e rádio, o grupo RBS está ilegal pois sua concessão está vencida há anos (mas isso é outra conversa).

Há alguns anos os movimentos apontam para a necessidade de um auditoria pública e com ampla participação dos setores organizados da cidade nas contas das empresas privadas, o resgate da bandeira histórica dos trabalhadores por um transporte 100% público sob controle popular. Esse ano a unidade em torno da pauta reuniu estudantes e rodoviários (oposição ao sindicato que é pelego) na construção de um projeto que retome a Carris como empresa pública à serviço da maioria da população, e a retomada das encampadas para a estatização ou socialização do transporte ( se encaminhou em assembleia do Bloco a construção de um grupo de trabalho sobre concepção de transporte público) nossas pautas ganharam as ruas de uma forma intensa nas noites de outono na cidade de Porto alegre.

As ruas contam essa história, nossas urgências estão pintadas nas paredes da cidade e não cabem nas urnas. Avançamos na unidade combativa e na construção de um transporte 100% público com controle popular pela força das ruas.


7 - Quais são as perspectivas da luta a partir de agora que o aumento foi revogado?

A revogação do aumento foi uma vitória parcial, pois foi a partir de uma liminar judicial e os empresários já entraram novamente com o pedido de aumento; por isso vamos seguir e intensificar as lutas para que o valor da passagem seja reduzido para R$ 2,60, garantir que nenhum direito conquistado seja perdido, como as isenções para estudantes e idosos, lutar pelo passe livre para estudantes e trabalhadores desempregados e meio passe para os trabalhadores ao domingos.

Também entra para a nossa pauta de reivindicações que as empresas abram as contas e as tornem públicas para que a população possa saber o tamanho de seus lucros.

A nossa luta segue nas ruas combatendo qualquer tentativa de criminalizar o movimento, pois pessoas estão sendo intimadas pela justiça e tivemos mais um caso de uma trabalhadora da Carris que foi demitida por participar do movimento, mas que, com a luta popular acaba de ser reintegrada.

O movimento tem demonstrado força e unidade, e isso já é um grande vitória, mas sabemos que temos muita luta pela frente pois temos no nosso horizonte a conquista de um transporte 100% público e com o controle popular, mas isso só será possível se seguirmos firmes lutando e vencendo pela força das ruas!


Veja mais vídeos das manifestações:

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