quarta-feira, 20 de março de 2013

Carta aberta sobre a formação da Conferência da Cidade

Nós do Movimento Passe Livre vimos a público através dessa carta destinada ao povo de Joinville a fim de alertar sobre algumas coisas que serão ditas logo mais quando for anunciada a nova Conferência da Cidade, destinada a eleger os novos representantes do novo Conselho da Cidade pelos próximos 3 anos. Dirão com a boca cheia, como já foi dito dentro da comissão que deliberou sobre o Conselho da Cidade, que o Conselho é “estupidamente democrático” e representativo. Quanto à estupidez, preferimos não usá-la para definir a democracia, e quanto à democracia preferimos ser mais sóbrios e afirmar que não é de modo tão democrático que esse conselho se estrutura.

Nós participamos sim do processo de formação dessa conferência. Participamos e fomos vencidos pelo poder econômico, aliado ao Poder Público e seus demais burocratas. Muito se falou da defesa do bem da cidade, acima dos interesses políticos, se tentou convencer de que ninguém tem o rabo preso com ninguém, que a neutralidade é a base das relações entre esses setores. Tentou-se, mas não se conseguiu, não a nós. Afirmamos que há sim interesses, acordos e cartas marcadas em todo esse processo. Nada surge do nada, tudo é fruto da história, assim como essa comissão hoje é fruto de criticas públicas, em jornais e outros locais, e processos judiciais de ontem. As composições, escolhas de nomes e votos, são sim fruto de uma história, que está intimamente ligada com a composição dessas entidades e com o próprio Poder Publico que hoje tem a sua frente o empresário e ex-presidente da ACIJ (Associação Empresarial de Joinville), por vários anos, Udo Döhler.

Tentamos sim radicalizar a democracia dentro do conselho da cidade, defendemos que a votação fosse definida por segmentos, mas aberta de forma direta a toda população. Defendemos que todos deveriam estar representados em seus segmentos, que os trabalhadores deveriam votar em seus sindicatos, os profissionais em suas entidades representativas, e assim por adiante. Fomos vencidos pela burocracia, onde só as entidades poderão escolher quem será conselheiro da cidade, pouco importando se essas entidades na prática são representativas ou são apenas mais um papel registrado em um cartório qualquer. Todos os segmentos terão esse critério, exceto os Movimentos Populares, onde todos e todas munícipes poderão votar sem restrição alguma, não importando se são empresários, burocratas ou o povo. Muito se perde nesse processo e abre-se brecha para os demais lacaios do poder econômico que estão há anos dentro de entidades fantasmas entrarem com muita força na disputa dessas cadeiras, retirando assim legítimos representantes dos Movimentos Populares do conselho. Assim, na teoria, poderá se defender que o conselho é democrático, mas na prática se terá um ninho de cobra, pronto para defender os interesses dos de cima.

Nós votamos de forma coerente na abertura direta do voto em todos os segmentos, sem medo da democracia, sem medo do povo, mesmo sabendo que talvez ali estivéssemos caindo em uma bela armadilha arquitetada com muito cuidado. Outros dirão, como já nos disseram nos corredores dessas votações, que votamos assim pois somos jovens. E mesmo não sendo mais tão jovens como há 8 anos atrás, quando fundávamos o MPL nessa cidade, onde jurava-se que não nos criaríamos, muito menos resistiríamos às primeiras perseguições e ameaças as nossas integridades físicas e psicológicas. Mas aqui estamos, um pouco mais duros, menos românticos, nem tão jovens, mas também nem tão velhos, e afirmamos que não temos vergonha de nossa idade e nossa história. Pois se é esse mundo baseado na violência e exploração que os velhos nos dão, tomamos aqui e agora a responsabilidade de reconstruí-lo, desde o inicio, se necessário. Mas sabemos que nem todos os velhos são dotados do medo, da mentira e do dom da manipulação, lembramos aqui de nossos pais, nossas mães, os velhos e velhas do povo, muitos velhos parecidos com alguns outros velhos que encontramos aqui e outros que já desistiram (talvez por uma melhor clareza que a nossa) desse espaço burocrático. Os velhos de baixo, do qual muitos conseguimos convencer com nossas falas, a esses velhos nos juntamos e os convidamos para reconstruir tudo.

Mas o fato é que de jovens e velhos muito se falou por medo. Medo do povo, de seus movimentos, medos esses alimentados no imaginário dos de cima desde a greve de 1917 que, ao contrário do que gostariam e nos tentaram omitir, Joinville também foi palco de lutas. Com isso tremem e tem pesadelos até hoje com cada resquício que hoje ecoa no povo e suas lutas do presente, que o passado nos inspira.

Irão comparar Joinville com o restante do Brasil, dirão que aqui sim se vive a democracia. Para esses diremos outra coisa, ainda com um pouco mais de sobriedade, talvez adquirida em nossas caminhadas pelos bairros pobres e favelas dessa cidade, nas filas do SUS que alguns de vocês só conhecem pela televisão, nas salas de aulas sem carteiras, nos ônibus lotados de todas as manhãs. Para esses diremos que isso só mostra o quanto temos que avançar para que alcancemos uma real democracia, o quão longa é nossa caminhada.

Por fim, como última cartada midiática, dirão que serão feitas 8 audiências públicas nas subprefeituras da cidade. Tão midiáticas como as audiências públicas realizadas ano passado sobre a licitação do transporte coletivo, as quais tudo já estada traçado e definido, onde falamos para paredes, onde não tiveram nem vergonha de rir em nossa cara. Ao que tudo indica, com a continuidade da presidência do IPPUJ (Fundação Instituto de Pesquisa e Planejamento para o Desenvolvimento Sustentável de Joinville) é que aqui nada muda, e a prática como sempre, não tarda, vem para nos ajudar em nossa argumentação teórica. Afirmamos aqui e não iludimos o povo: tudo está definido, e nada se mudará.

Aqui estamos, de forma pública, falando ao povo, que não se iludam com o novo Conselho da Cidade. Nós dizemos que ainda continuaremos a participar dessa comissão e tentaremos participar do Conselho da Cidade, mas de forma lúcida, sabendo de suas limitações, mas também de forma crítica, pontuando dentro dele até seu esgotamento, mostrando suas limitações e seu verdadeiro caráter. Não dizemos para os demais Movimentos Populares nem para fazer o mesmo que nós, nem para não fazer. Participem se quiserem, e se não, como poderemos dizer que sua posição está equivocada diante desse jogo de cartas marcadas? Para os Movimentos Populares apenas dizemos: tenhamos clareza do que representa esse Conselho. Tenhamos maior clareza ainda onde realmente está a verdadeira democracia. Lembramos de cada assembléia de nossos movimentos e entidades, cada ato e manifestação que pinta essas praças de nossa cidade com rostos e cores como os nossos após o soar do sino de nossas senzalas dos tempos modernos. Lembremos que cada vez que cruzamos os braços ou paramos o trânsito para que a maioria possa ser ouvida sobre essa minoria que há séculos detém o poder e nos explora enquanto classe. Tenhamos clareza que é nesses espaços físicos e temporais que ao nos entendermos como irmãos, como classe, ao experimentarmos e erramos, ao aprendermos a falar sem medo, que reconstruímos a democracia, uma democracia plena. É ali que forjamos outro poder, diferente do econômico, que depende do Estado e seus mecanismos de repressão para se sustentar. Forjamos um poder do povo, um Poder Popular.

Movimento Passe Livre, 
Joinville, 20 de março de 2013

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