segunda-feira, 16 de junho de 2008

A cidade sem hibiscos

Felipe Silveira*

Faço a vida passar entre saltos e corridas na cidade. Não há tempo para parar. Às 7h45 o ônibus passa e devo correr para pegá-lo. Saco um livro da mala, à noite tem prova. O trabalho me pede compromisso e o banco me pede dinheiro, não posso esquecer de dar um pulo no caixa eletrônico. Do jornal leio a manchete e os subtítulos. É o tempo que tenho. Ainda assim vivo. Flertar, beber, comer e dançar é fundamental.

Quem me dera – numa dessas corridas – escorregar num hibisco em frente à Câmara ou à Prefeitura. Quem me dera esbarrar num vereador. Quem me dera ser seqüestrado por comunistas. Eu imploro: me cooptem para uma causa. Em vão, os vereadores estão escondidos em seus gabinetes, o prefeito se escondeu no do vice a as organizações de esquerda estão disputando cargos. Além do mais, mandaram tirar os hibiscos das calçadas.

Deve ser esse o truque do inimigo multifacetado (Estado, mídia, empresários). Fazer as pessoas correr cada vez mais rápido, com os olhos no chão. Prender rabos, equipar ONGs, boicotar a educação e comprar jornalistas. Fingir que um parque pode salvar a cidade. Organizações empresariais fortes, com voz e espaço dentro dos gabinetes também são importantes neste processo. Cobrar quando as pessoas querem usar as praças, além de tornar o espaço desconfortável, sem sombras nem água fresca é uma técnica que deu certo. Limparam as calçadas dos hibiscos. Nos tiraram o tempo para sonhar.

Eu não posso fazer nada para mudar isso. Nem você. Já eu e você, opa, pode ser. Com uns amigos, quem sabe? Não, não se anime. Eles são em maior número. E têm muito mais dinheiro. Mas é necessário saber: alguém quer nos ferrar. Eles fazem você correr e fingem que está tudo bem.

Portanto, pare e não evite conflitos. Plante um pé de hibisco na calçada e torça para alguém cair ao escorregar nas flores vermelhas que se soltam todos os dias. Não perca o hábito de acordar cedo e fofocar com a vizinha enquanto varre a calçada. Não agrade o cliente, agrade o amigo. Não puxe o saco do professor, mas diga à namorada que ela é linda. Persista num mundo coletivo. Isso não é a solução, mas um princípio para acreditar na democracia (escrevi tudo isso para chegar nisso).

Não vou dar nenhum conceito para democracia aqui. A TV me impediu de lidar bem com palavras abstratas. Mas sei que não se trata só de levantar a mão para que a vontade da maioria seja feita. Democracia é participação. É se apegar a uma Constituição construída a muitas mãos. Aliás, é isso: construir juntos. Escrevo só para questionar o possível leitor: estamos construindo um mundo melhor democraticamente ou estamos aceitando passivamente as vontades de sujeitos interessados em engordar suas contas ocultas nas Ilhas Virgens.

Escrevi a primeira parte deste texto para mostrar que não consigo agir como gostaria. E também porque acho que isso acontece com muitos de nós. De qualquer forma, gostaria que o leitor pensasse nisso. Não sejamos o homem em Isidora, uma das cidades invisíveis de Italo Calvino:

“As cidades e a memória – 2

O homem que cavalga longamente por terrenos selváticos sente o desejo de uma cidade. Finalmente, chega a Isidora, cidade onde os palácios têm escadas em caracol incrustadas de caracóis marinhos, onde se fabricam à perfeição binóculos e violinos, onde quando um estrangeiro está incerto entre duas mulheres sempre encontra uma terceira, onde as brigas de galo se degeneram em lutas sanguinosas entre os apostadores. Ele pensava em todas essas coisas quando desejava uma cidade. Isidora, portanto, é a cidade de seus sonhos: com uma diferença. A cidade sonhada o possuía jovem; em Isidora, chega em idade avançada. Na praça, há o murinho dos velhos que vêem a juventude passar; ele está sentado ao lado deles. Os desejos agora são recordações.”

Felipe Silveira é estudante de jornalismo e um dos organizadores do movimento contra o reajuste de 36% dos vereadores.

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